O cliente, essa identidade divina
O cliente é aquele ser incógnito que todos nós conhecemos mas ninguém sabe muito bem quem é. Às vezes nós somos o cliente mas quando começamos a trabalhar, o cliente ganha toda uma identidade inantigível.
No início do ano, a única coisa que ouvia falar era que o cliente tinha sempre razão e que algumas amigas minhas detestavam-no de morte.
"Ai o cliente quer as coisas para ontem mas não deixa nada preparado"
"Ai o cliente quer que nós façamos tudo hoje mas esquece-se de mandar os materiais"
"Ai o cliente muda de ideias de cinco em cinco minutos para no final escolher a primeira opção"
"Ai o cliente quer o impossível e de borla, se puder ser"
Eu não podia dizer grande coisa sobre isto mas achava estranho não conhecer esse tal cliente. Até que nos conhecemos, há uns mesinhos atrás. No início não achei nada de especial. Ele às vezes era simpático e acolhedor e outras vezes era mais assertivo naquilo que queria mas estava tudo tranquilo.
E o Verão chegou e instalou-se a rambóia.
O cliente vai de férias e por isso quer tudo pronto antes de ir para a Jamaica;
O cliente pede uma proposta, é-lhe enviado o orçamento mas só responde é este o melhor preço?
O cliente está com muita pressa mas quando se lhe envia o trabalho final, não diz se recebeu ou se não recebeu;
O cliente quer serviços de consultoria mas depois faz tudo à maneira dele;
O cliente pergunta se é possível fazer um serviço que não te compete mas pedir não custa;
O cliente aceita a proposta (uma gravação uma página A4) mas depois quer gravar duas páginas;
O cliente tem uma data de entrega do trabalho mas não sabe cumprir prazos;
O cliente tem todo o interesse em colaborar, trocam-se contactos, manda-se um email mas nada feito;
O cliente quer saber tudo aquilo a que tem direito e chateia para estar tudo direitinho - quando está tudo feito, não diz nada;
O cliente assiste às gravações de um áudio, diz que está tudo excelente, mas depois telefona a dizer que no escritório não está a ouvir o que ouviu há três horas atrás (limpar os ouvidos depois da hora de almoço já ajudava);
O cliente contacta-te todo entusiasmado, fica meses sem dizer nada, mas depois volta e quer tudo muito rápido;
Mas se isto ficasse resolvido no Verão...o cliente volta das férias e já tem todos os projectos pensadinhos, estruturadinhos, está cheio de ideias e tem muita pressa em fazer tudo, mas depois falta dinheiro, falta tempo para responder a emails, falta oportunidade em fazer reuniões com o chefe porque estão a tratar da contabilidade do ano, falta paciência para efectivamente responder a telefonemas para se avançar com os tais projectos, falta dois dedos de testa para perceber que o que pedem não é possível a não ser que tenham a conta bancária do Zuckerberg.
A verdade é esta: o cliente acha que é um Deus maior que Deus, um Rei dos Impérios Austro-Húngaros e Além Mar, um Sheikh vindo do Jardim do Éden, um Buddha iluminado e charmoso, um irmão gémeo do Einstein, um novo Dalai Lama, um próximo Nelson Mandela - basicamente ele é o mais esperto de nós todos, tem sempre razão e ai de alguém que o contrarie senão vai tudo abaixo.
Eu não sei quanto a vocês mas eu já não o posso ver a frente. E quando o vir, eu vou encher-lhe o email com frases estúpidas, ligar-lhe de cinco em cinco minutos, pedir que me vá buscar um chá inglês em porcelana chinesa em 1 hora para ele perceber bem que ele não é assim tão bom quanto acha.
Se o cliente não tivesse a mania que é cliente, já haveria paz no mundo. Desculpa, Irmã Lúcia, ainda não chegámos lá.