O cartão e o carro
Sai mais uma fábula do livro de contos: a Rita estragou um cartão de débito.
O meu cartão de débito é invejado por todo o mundo porque é dourado. Mas também é matreiro. Há semanas em que anda sempre fora de casa e quando eu digo para ele ficar quietinho na carteira, ele tenta sempre esquivar-se para ir parar a um multibanco. É uma criança cheia de sonhos a achar que pode explorar este e meio mundo e que quando chegar a zeros não há problema nenhum.
Mas tenho de pedir desculpa porque não se deve falar assim dos mortos: é que eu matei o meu cartão de débito.
Ora uma pessoa quando conduz e vai à praia tem de sacar o cartãozinho para pagar a portagem na ponte, não é, e em vez de estar a abrir a mala, tirar a toalha, a água, a comida, os chinelos e a carteira até achar o cartão, uma pessoa deixa-o à mão, na viseira do condutor. Está perfeito e nem é preciso fazer mais nada...desde que não se esqueça de antes de fechar o carro levar o cartão para casa, não é?
Pois.
Houve um dia em que ele de facto não foi para casa. E o carro ficou a descansar, num tórrido dia de Agosto com temperaturas a oscilar entre os 36 e os 38 graus. A Rita segue a sua vida e no dia seguinte pensa em sair de casa: "ai com este calor só saio às 20h". Muito bem, Rita, acho que faz muito bem. Quando chegamos ao carro, metemos a viseira para baixo e está lá o cartão.
"Olha que engraçado, está cá o cartão, ainda bem que não precisei dele antes".
O cartão estava lá mas não como dantes.
Tinha ganho uma ondulação característica, como se tivesse ido ao cabeleireiro fazer beach waves. Agora sim, estava dourado, ondulado e com o chip a não funcionar. Eu tinha um cartão californiano que não podia mais surfar.
Então não dás dinheiro? E agora?
Ainda fui teimosa e tentei que ele pagasse as compras em algumas lojas - e a verdade é que meio torto ele lá se despachou mas as caixas não o queriam de volta. Ou ia bem vestido ou nada feito.
No dia do funeral, nem o consegui levar ao banco. Pedi um substituto mas não o consegui enterrar. Ficou embalsamado, dentro da gaveta, como recordação. Aqui fica uma última homenagem.
E não se esqueçam da moral da história: paguem a portagem com dinheiro.