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Agora a Sério

Um local sério para se falar das coisas sérias de todos os dias. Só para pessoas que se levam muito a sério.

Agora a Sério

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Frases que dão ataques cardíacos

amaralrita, 29.10.15

Ter amigos é muito bom. Eles falam conosco, dão-nos mimos, brigam conosco, enchem-nos de porrada mas lá no fundo é tudo só amor. Só que às vezes dá-lhes um ataque de safanice e gostam de nos pregar ataques cardíacos. Com simples palavras, viram o nosso mundo de avesso e na maioria das vezes sem razão alguma:

 

Precisamos de falar

Oh, a clássica.

Aquela que te faz pensar em tudo: será que ele sabe que eu menti quando estava doente e fui sair à noite? Será que ele sabe que tinha uma crush no namorado da minha melhor amiga no secundário? Será que ele sabe que menti aos meus pais quando tinha 3 anos? Nop, nada disso, ela só te vai contar que voltou para o ex mas tu imaginaste o apocalipse, um plano de fuga, a migração para o Ártico. Bah, porque é que as pessoas são tão sérias para coisas tão insignificantes?

 

Tenho uma coisa para te contar

Pronto, estás pronta.

Venham os cancros, as sidas, as mortes, os transplantes, os atropelamentos, as gravidezes, os abortos, os alcoolismos, as primeiras vezes, o fiquei-sem-o-carro, preciso-de-dinheiro-senão-uns-tipos-dão-me-uma-facada. A coisa que te vão contar? Acham que ligaram para o ex quando estavam bêbados sexta-feira passada. ACHAM! Não têm a certeza! Têm um pressentimento que fizeram alguma coisa de mal....enfim...

 

Estive a pensar e...

Ui, mas é que não se pensa! Ninguém pensa. Quantas vezes é que os médicos já recomendaram que pensar faz mal? Pensar não traz ideias geniais, não muda o mundo, é uma inutilidade pensar. Desde quando é que o Einstein era um génio por pensar em física quântica? Não, não, não, as pessoas deviam tirar folga de pensar. Pelo menos quando é para ter ideias como "vou começar a fazer ioga". Tirem férias do cerébro 7 dias por semana, sim?

 

Resumindo, estas brincadeiras não têm piada nenhuma. É que nem ver filmes de terror 50 vezes dá este estado de ansiedade, mas uma sms mandada à pessoa errada dá.

 

25 formas de odiar alguém

amaralrita, 19.10.15

Para um dia cinzento, para quem está de TPM, para quem está mal disposto com o chefe, para quem simplesmente lhe apetece odiar o mundo inteiro e Marte, saibam que não estão sozinhos, que eu vos dou a mão e vos compreendo. Para deixarmos o ódio para trás, temos de o enfrentar e por isso vamos deitar cá para fora essa pressão e dizer realmente às pessoas que odiamos porque as odiamos:

 

1. Odeio-te porque és giro demais;

2. Odeio-te porque está a chover mas o teu cabelo está impéc;

3. Não te odeio mas odeio o teu guarda-roupa (posso ver essa mala melhor para ver como combina na minha mão?);

4. Odeio-te por não saberes pagar contas no multibanco de forma rápida;

5. Odeio-te por interromperes o meu espectáculo quando estou a ouvir a parte preferida da minha música preferida - não se faz, ponto.

6. Odeio-te porque estragas a minha dieta com croissants de Nutella e hamburgueres nas trezentas hamburguerias que existem em Lisboa

7. Odeio-te porque tens a brilhante ideia de às duas da manhã ir ao Mac buscar um McFlurry de Oreo (todo o ano);

8. Odeio-te, tenho aulas contigo mas até te suporto se estivermos na mesma sala;

9. Odeio-te, tenho aulas contigo mas quero bué que sejas atropelado;

10. Odeio-te porque consegues manter o verniz nas unhas por mais de 48 horas;

11. Odeio-te porque comes que nem um bisonte e não engordas (desculpem amigas com metabolismo Ferrari);

12. Odeio-te porque passas a vida a viajar mas depois dizes que és pobre;

13. Odeio-te porque és "blogger" e recebes roupas grátis;

14. Odeio-te porque os teus cozinhados são dignos de Instagram (podem saber mal mas são lindos);

15. Odeio-te porque consegues fazer dois burpees seguidos;

16. Odeio-te porque és sobredotado que sabe o que quer fazer da vida desde que tem 5 anos;

17. Odeio-te porque bloqueias quando eu mais preciso (esta é para ti, PC);

18. Odeio-te por ocupares a última ficha disponível na biblioteca;

19. Odeio-te porque levaste a última fatia de pizza da cantina;

20. Odeio-te porque não gostas dos Beatles;

21. Odeio-te porque ouves kizomba no autocarro sem fones (clássico);

22. Odeio-te porque apitas quando o sinal ainda está vermelho;

23. Odeio-te porque tens um Mercedes mas andas na 2ª circular a 40;

24. Odeio-te porque ocupas dois lugares de estacionamento;

25. Odeio-te porque tens mesmo aquela cara de quem merece ódio;

 

PS - eu não odeio ninguém porque odiar alguém dá imenso trabalho e a minha massa cinzenta tem mais com que se preocupar. E o meu coração é só amor macio e fofo como algodão doce, por isso isto não é a sério, sim?

Os mistérios da minha mala

amaralrita, 13.10.15

Já vos falei aqui da minha grave doença com malas, mas nunca vos disse a causa deste mal.

Bem, não existe grande mistério quanto à causa: eu sou mulher logo a mala é um objecto sagrado que nos salva de tudo. Se as mulheres não andassem com malas, não seríamos esses seres superiores que andam sempre prevenidas. No entanto, há mulheres prevenidas e depois há pessoas a roçar a loucura, como eu. Mas há um pormenor bastante importante: a minha mala é do povo.

Eu literalmente ando com a casa de alça no ombro porque há sempre qualquer coisa de que eu preciso ou de que os outros precisam (porque aparentemente eu sou tão simpática que o que é meu é do povo). Mas então o que é que leva a minha mala?

 

Primeiro há os básicos: lenços de papel, chaves de casa, chaves do carro ou passe, batom do cieiro, tanta coisa. E esses estão perdidos na mala, porque na carteira, há trezentos cartões para fazer compras, cartões de passe, montes de recibos de 65 cêntimos, papelinhos que eu não sei bem onde nasceram, moedas, pen drives, anéis e outros objectos sem sentido. Mas isto é apenas o básico.

 

Depois não é só os óculos de sol, é a caixa dos óculos de sol, que depois dos desastres passados, tem de ser à prova de bala. É às florzinhas e não cabe em nenhuma pochete, logo tenho de andar de mala.

 

Depois é o tablet. Ter um telemóvel já não chega, eu sou uma pessoa muito ocupada e não quero ficar pitosga aos 25 anos. Quando é preciso trabalhar, uma pessoa séria como eu tem de estar sempre preparada.

 

Depois a garrafa de água. Garrafas de meio litro, às vezes duas ou três, ou só uma de um litro. E às vezes mais uma garrafa com chá. São pancas de pessoas saudáveis, sabem?

 

Depois são as bolachas, já que pessoa saudável anda sempre com a marmita atrás. A minha mala já é uma segunda despensa, vai tudo lá para dentro, com migalhas à mistura.

 

Depois é o creme para as mãos. Eu não gosto nada de andar com mariquices destas mas ultimamente têm dado jeito logo vão para a mala.

 

Depois é o verniz das unhas. Estão a ver aqueles dias em que a unha ficou mal pintada e saímos de casa a correr e não conseguimos acabar? Pois mais vale levar para o trabalho que arranjamos cinco minutos na hora de almoço para cobrir os estragos.

 

Depois é a bolsinha da maquilhagem. Mais uma vez, acordou-se tarde, não há tempo, temos um jantar logo à noite, borramos o eyeliner a coçar os olhos de manhã, a base não ficou bem espalhada, tanto faz, mas é preciso andar com maquilhagem.

 

Depois é o carregador portátil. Já estamos no século XXI e a desculpa do "fiquei sem bateria" já não cola. Pessoas importantes têm de estar sempre contactáveis!

 

E depois temos os visitantes que aparecem de vez em quando: a máquina fotográfica, o jornal Metro, as revistas, o bloco de notas, ténis, sabrinas e mais e mais coisas para que a minha mala fique maior que o Godzilla.

 

Eu vivo assim há anos e juro que tenho tentado combater a doença mas quando eu começo a tentar reduzir as coisas que levo dentro da mala, há sempre um raio de um amigo qualquer, seja de manhã ou à noite, que começa a pedir coisas e o povo vai todo atrás e também começa a pedir: "Tens isqueiro? Tens pastilhas? Tens troco de 5 euros? Tens o teu carregador? Tens trocos? Tens uma pen? Tens uma caneta? Tens uma folha?"

 

A minha mala faz inveja ao Doraemon e à sua bolsinha. Qualquer dia ando com uma bola de bowling, um teclado, um quadro de apresentações, uma lâmpada, um berbequim, um escadote, um balde de tinta, sei lá onde é que isto vai parar. A culpa não é minha porque eu até queria deixar estes maus hábitos mas são os outros que puxam por mim, a querer dar-me alguma utilidade nesta sociedade.

 

Se calhar isto ainda vira negócio, olhem só as pessoas pagarem-me para andar com as coisas delas! Daqui a uns meses digo-vos como correu.

A Ópera da Ranhoca

amaralrita, 08.10.15

ACTO ÚNICO

Cenário: quadro idílico de frio, vento, chuva, não-neve em Lisboa, folhas a cair, croissants de chocolate, cafés quentes, castanhas na rua.

Local: escritório calmo, amplo e escuro, sem sol. Pessoas atarefas, concentradíssimas, focadas, mas com dores de cabeça.

 

Narrador: esta é a história de um paraíso. Com pessoas. Com trabalho. Com sorrisos. Com conversas. Mas sobretudo (pausa) é a história de um paraíso cheio de lenços.

 

Lenços.

Oh.

Lenços.

Lenços de assoar.

Montes e montes de lenços.

Lenços na mala.

Lenços na secretária.

 

E o que trazem esses lenços?

Ranhoca.

A ranhoca verdoca e espessa.

A ranhoca não verdoca mas sim branca de quem tem um nariz que pinga.

A ranhoca não verdoca mas sim branca que fica na secretária com um espirro forte.

 

E o que é que a ranhoca faz?

Entope o nariz.

O nariz vermelho, vermelhaço, vermelhusco, vermelhante, vermelhão.

O nariz vermelho que puxa a ranhoca para dentro para conseguir respirar.

O nariz vermelho que dá comichão e que se limpa com a manga da camisola.

 

E se não dá para respirar pelo nariz, respira-se por onde?

Pela boca.

A boca seca irritada do vento.

A boca seca que tosse e tosse a ver se o pulmão aguenta mais um dia.

Ou então a boca não seca, que não consegue produzir a voz porque tem a mucosa entalada.

A boca entalada pela mucosa que engole a mucosa.

A boca entalada pela mucosa que não engole a mucosa e quer deitar fora.

 

A boca entalada pela mucosa que não engole a mucosa, que quer deitar fora a mucosa e então puxa a mucosa para cima e tenta puxar pelo nariz mas depois deixa de respirar porque o nariz vermelho, vermelhaço, vermelhusco, vermelhante, vermelhão está entupido pela ranhoca verdoca e espessa que fica no lenço em cima da secretária.

Puxa, atrapalha-se, não respira, tosse, sai ranhoca, sai mucosa, entra lenço sujo com ranhoca para absorver mais ranhoca, suja o nariz, limpa o nariz, coça o nariz, espirra, sai ranhoca branca, sai garganta, sai pulmão, sai tripas, sai tudo e DE REPENTE, CORRE-SE PARA A CASA DE BANHO E PUM FECHA-SE A PORTA.

 

Puxa-se o pulmão, a ranhoca sai a custo. Pronto, já acabou a tortura. Limpa-se a boca, as mãos, as mangas, o nariz.

E o sujeito volta à secretária. "Ai que estou a ficar doente".

 

E a tarde cai no escritório mas a sinfonia continua: espirranços, funganços e gargejanços, como uma orquestra em harmonia.

 

Sejam bem-vindos ao Inverno.

 

O cartão e o carro

amaralrita, 05.10.15

Sai mais uma fábula do livro de contos: a Rita estragou um cartão de débito.

 

O meu cartão de débito é invejado por todo o mundo porque é dourado. Mas também é matreiro. Há semanas em que anda sempre fora de casa e quando eu digo para ele ficar quietinho na carteira, ele tenta sempre esquivar-se para ir parar a um multibanco. É uma criança cheia de sonhos a achar que pode explorar este e meio mundo e que quando chegar a zeros não há problema nenhum.

Mas tenho de pedir desculpa porque não se deve falar assim dos mortos: é que eu matei o meu cartão de débito.

 

Ora uma pessoa quando conduz e vai à praia tem de sacar o cartãozinho para pagar a portagem na ponte, não é, e em vez de estar a abrir a mala, tirar a toalha, a água, a comida, os chinelos e a carteira até achar o cartão, uma pessoa deixa-o à mão, na viseira do condutor. Está perfeito e nem é preciso fazer mais nada...desde que não se esqueça de antes de fechar o carro levar o cartão para casa, não é?

 

Pois.

 

Houve um dia em que ele de facto não foi para casa. E o carro ficou a descansar, num tórrido dia de Agosto com temperaturas a oscilar entre os 36 e os 38 graus. A Rita segue a sua vida e no dia seguinte pensa em sair de casa: "ai com este calor só saio às 20h". Muito bem, Rita, acho que faz muito bem. Quando chegamos ao carro, metemos a viseira para baixo e está lá o cartão.

"Olha que engraçado, está cá o cartão, ainda bem que não precisei dele antes".

O cartão estava lá mas não como dantes.

Tinha ganho uma ondulação característica, como se tivesse ido ao cabeleireiro fazer beach waves. Agora sim, estava dourado, ondulado e com o chip a não funcionar. Eu tinha um cartão californiano que não podia mais surfar.

 

Então não dás dinheiro? E agora?

 

Ainda fui teimosa e tentei que ele pagasse as compras em algumas lojas - e a verdade é que meio torto ele lá se despachou mas as caixas não o queriam de volta. Ou ia bem vestido ou nada feito.

No dia do funeral, nem o consegui levar ao banco. Pedi um substituto mas não o consegui enterrar. Ficou embalsamado, dentro da gaveta, como recordação. Aqui fica uma última homenagem.

 

E não se esqueçam da moral da história: paguem a portagem com dinheiro.

 

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